Era apenas mais uma tarde nublada de quinta-feira de
inverno, e ele estava fazendo o que faz todos os dias, há exatos 34 anos. Muito
solícito, aceitou realizar a entrevista de imediato, colocando sua velha e fiel
amiga no chão - a caixa de isopor. “Vamos lá que eu ainda tenho que trabalhar!”,
diz.
Seu Antônio |
António Pereira dos Santos, 61 anos, nasceu em Irará,
há 137 quilômetros
de distância da capital baiana, onde tornou-se Seu Antônio do Picolé. Antes de
virar sorveteiro, Antônio morou na cidade de Riachão do Jacuípe onde, desde os
10 anos, trabalhou como vendedor de mingau e posteriormente em uma roça de
sisal. Como não se adaptou ao trabalho, o jovem, já com 16 anos, retornou à
cidade natal e dias depois decide vir morar em Salvador.
Já estabelecido na capital baiana, em casa de
parentes, Antônio retoma a vida profissional como servente de obra. “Aos 17
anos e meio eu sirvo ao exército e sou dispensado”, comenta. Após a dispensa
das forças armadas, Antônio torna-se cobrador e depois de ter sido acidentado
em uma das empresas, opta pelas vendas. Monta uma guia de cigarro com quatro
vendedores, mas em um curto período de tempo viu seu sonho queimar-se como maço
de cigarros – a guia quebra por falência.
No ano de 1979, após ter morado em diversos bairros
como no Engenho Velho da Federação, Paripe, Uruguai, Antônio estabelece
residência própria no bairro do Lobato de onde parte todas as manhãs para a
sorveteria Bonocô para pegar os 300 picolés que são vendidos nos colégios dos
bairros de Nazaré e Saúde.
Inverno ou verão, Antônio não desgruda da sua caixa
de picolés e do seu sino que fazem à alegria da garotada dos bairros do Doron,
Cabula VI e Narandiba. E embora tenha concluído seus estudos apenas aos 48 anos
de idade, o vendedor é um grande defensor da educação.
Seu Antônio, como é conhecido pelos seus clientes, em
sua grande maioria estudantes, revela que desenvolveu uma técnica de estudo
única e que o fez chegar à programação da Tv Educativa onde dá dicas de como
incentivar as crianças aos estudos. “Muitas pessoas me perguntam se eu não sei
ler, eu respondo que sim e que sou uma pessoa muito inteligente e um grande
matemático”, relata.
Odivan dos Santos, 15 anos, estudante, morador de
Narandiba e cliente assíduo do sorveteiro diz que o trabalho desenvolvido pelo
vendedor o faz estudar um pouco mais para poder ganhar picolé.
“Quando eu chego num local e tem vários jovens ou
crianças de farda eu pergunto quem quer ganhar sorvete. E daí começa a
brincadeira e se o estudante perguntado acertar a resposta ele ganha o picolé
na hora.”, conta orgulhoso, o sorveteiro.
Em seu segundo casamento, pai de oito filhos e
preocupado com sua aposentadoria, o sorveteiro paga a previdência social como
autônomo e revela já ter vendido mais de 54.000 picolés na temporada de verão.
Atualmente, o picolé vendido por Antônio custa R$1,50 e ele lucra 75% das
vendas realizadas. “Por mês chego a faturar uma faixa de R$3 mil. Agora, nesse
verão, com as amizades que tenho quero tirar uns R$4 mil.”, revelou.
No ano de 2012, o sorveteiro lançou-se na política
como vereador pelo PV (Partido Verde), mas por falta de verba não pôde dar
continuidade à candidatura. Contudo, já promete que em 2016 voltará com força
total, pois além de contar com o apoio do presidente do partido, André Fraga,
foi bastante assediado pelos eleitores.
No final da entrevista, já um pouco emocionado, por
lembrar da sua história de vida e apresado para atender seus clientes, que o
chamavam insistentemente, Antônio voltando um olhar sereno para mim, encerra: “Eu
sou contra os jovens ficarem na rua. A gente tem sempre que procurar estudar para
ter uma profissão boa”.